quarta-feira, 27 de abril de 2011

Nostalgia

Cada quarto é como velho e novo
é emocionante ver como estão
e ao mesmo tempo
decepcionante gostar de como eram

Correr pelos quintais
lembrar das brincadeiras
debruçar-se nas janelas de vidro
agir como criança

Cada canto tem uma historia
cada historia uma lembrança
lembranças essas
que me causam tamanha nostalgia

sexta-feira, 22 de abril de 2011

"Travesseiro de plumas" Quiroga

A partir do texto do Quiroga "travesseiro de plumas" eu criei um novo final, e aqui esta o conto com o final criado por mim. Espero que gostem. Angi

Travesseiro de plumas

Sua lua-de-mel foi um longo calafrio. Loura, angelical e tímida, o caráter duro de seu marido gelou suas sonhadas fantasias de noiva. Entretanto ela gostava muito dele, mesmo que, às vezes, com um leve estremecimento quando, voltando juntos à noite pela rua, ela lançava algum olhar furtivo à alta estatura de Jordao, mudo já há uma hora. Ele, por sua vez, amava-a profundamente sem, no entanto, dar disso qualquer mostra.

Durante três meses - casaram-se em abril - viveram uma felicidade especial. Sem dúvida ela houvera desejado menos severidade nesse rígido céu de amor; mais expansiva e descuidada ternura; mas o impassível semblante de seu marido sempre a detinha.

A casa em que viviam influenciava não pouco em seus estremecimentos. A brancura do quintal silencioso - frisos, colunas e estátuas de mármore - produzia uma outonal impressão de palácio encantado. Dentro, o brilho glacial do estuque, sem o mais leve arranhão nas altas paredes, acentuava aquela sensação de desagradável frio. Ao passar de um cômodo a outro, os passos encontravam eco por toda a casa, como se um profundo abandono houvesse sensibilizado sua ressonância.

Nesse estranho ninho de amor, Alicia passou todo o outono. Havia terminado, não obstante, por lançar um véu sobre seus antigos sonhos, e ainda vivia adormecida na casa hostil sem querer pensar em nada até chegar seu marido.

Não é de se estranhar que emagrecesse. Sofreu um ligeiro ataque de influenza que se arrastou insidiosamente por dias e dias; Alicia não se restabelecia nunca. Ao fim de uma tarde pôde sair ao jardim apoiada ao braço de seu marido. Olhava com indiferença a um e outro lado. De repente, Jordao, com profunda ternura, passou-lhe lentamente a mão pela cabeça, e Alicia desfez-se em lágrimas, lançando-lhe os braços ao pescoço. Chorou longamente todo seu espanto calado, aumentando o pranto à mais leve carícia de Jordao. Logo os soluços foram diminuindo, e ela ainda ficou alguns instantes escondida em seu peito sem mover-se ou pronunciar palavra.

Foi esse o último dia em que Alicia esteve em pé. No dia seguinte amanheceu desvanecida. O médico de Jordao examinou-a com extrema atenção, ordenando-lhe calma e repouso absolutos.

- Não sei - disse a Jordao na porta da rua. Ela tem uma fraqueza tão grande que não entendo. E sem vômitos, nada... Se amanhã ela despertar como hoje, telefone imediatamente.

No dia seguinte, Alicia amanheceu pior. Houve consulta. Foi constatada uma anemia crescente e agudíssima, completamente inexplicável. Alicia não teve mais desmaios, mas rumava visivelmente à morte. Durante todo o dia o quarto ficou com as luzes acesas e em total silêncio. Passavam-se horas sem que se ouvisse o menor ruído. Alicia permanecia meio adormecida. Jordao quase vivia na sala, com todas as luzes também acesas. Caminhava sem parar de um lado para o outro, com incansável obstinação. O tapete silenciava seus passos. De tempos em tempos entrava no dormitório e prosseguia seu mudo vaivém ao longo da cama, detendo-se um instante em cada extremo para observar sua mulher.

Logo Alicia começou a ter alucinações, confusas e flutuantes a princípio, mas que logo desceram rente ao chão. A jovem, com os olhos desmesuradamente abertos, não fazia senão olhar a um e outro lado do tapete sob a cabeceira da cama. Numa noite ficou de repente com o olhar fixo. Depois abriu a boca para gritar, e seu nariz e lábios brilharam de suor.

- Jordao! Jordao! - Gritou, rígida de espanto, sem deixar de olhar para o tapete.

Jordao correu para o quarto e, ao vê-lo aparecer, Alicia lançou um alarido de horror.

- Sou eu, Alicia, sou eu!

Alicia contemplou-o, ausente, olhou para o tapete, voltou a olhá-lo, e depois de um longo tempo de entorpecida confrontação voltou a si. Sorriu e tomou entre as suas a mão do marido, acariciando-a por meia hora, tremendo.

Entre suas alucinações mais recorrentes, houve um antropóide apoiado no tapete sobre os dedos, que tinha fixos nela os olhos.

Os médicos voltaram inutilmente. Havia ali diante deles uma vida que se acabava, sangrando-se dia a dia, hora a hora, sem que soubessem realmente como. Na última consulta, Alicia jazia em estupor enquanto lhe tomavam o pulso, passando de um a outro o seu braço inerte. Observaram-na longamente em silêncio e foram para a sala de jantar.

- Pst... - Deu de ombros o desalentado médico. É um caso inexplicável... Não há quase nada a ser feito...

- Só me faltava essa! - suspirou Jordao. E tamborilou bruscamente na mesa.

Alicia foi se extinguindo em subdelírio de anemia que se agravava durante a tarde, mas que melhorava às primeiras horas. Durante o dia sua enfermidade não avançava, mas a cada manhã amanhecia pálida, quase em síncope. Parecia que unicamente à noite a vida lhe escapava em novas ondas de sangue. Tinha sempre ao despertar a sensação de estar esmagada na cama com um milhão de quilos em cima. Desde o terceiro dia, esse aniquilamento não a abandonou mais. Mal podia mover a cabeça. Não quis que tocassem na sua cama, nem que lhe arrumassem o travesseiro. Seus terrores crepusculares avançavam agora em forma de monstros que se arrastavam até a cama, e subiam com dificuldade pela colcha.

Logo perdeu a consciência. Nos dois dias finais delirou sem cessar, a meia-voz. As luzes continuavam funebremente acesas no quarto e na sala. No silêncio agônico da casa, não se ouvia mais que o delírio monótono que vinha da cama, e o surdo retumbar dos eternos passos de Jordao.

Alicia morreu, por fim. A empregada, quando entrou depois para desfazer a cama, já sozinha, olhou com espanto o travesseiro.

- Senhor! - chamou Jordao em voz baixa. O travesseiro tem umas manchas que parecem de sangue.

Jordao aproximou-se rapidamente e inclinou-se sobre o travesseiro. De fato, sobre a fronha, de ambos os lados da marca que havia deixado a cabeça de Alicia, viam-se pequenas manchas escuras.

- Parecem picadas - murmurou a empregada depois de um instante de imóvel observação.

- Coloque-o na luz - disse a ela Jordao.

A empregada levantou o travesseiro; mas em seguida deixou-o cair, e ficou olhando, pálida e tremendo. Sem saber por quê, Jordao sentiu seus cabelos se arrepiarem.

- Que foi? - murmurou com a voz rouca.

- Pesa muito - balbuciou a empregada, sem parar de tremer.

Jordao levantou o travesseiro; pesava extraordinariamente. Saíram com ele e, sobre a mesa da sala de jantar, Jordao cortou a fronha e a capa com um só golpe. As penas de cima voaram, e a empregada deu um grito de horror com a boca totalmente aberta, levando as mãos crispadas à cabeça.

-ave Maria cheia de graça, o senhor é com...

-quieta mulher! Exclamou Jordao- parece que esta respirando.

A necessidade de rezar que Jordao sentia, era maior que a metade da arrumadeira que tremia ao seu lado.

- Por favor, pegue alguns panos limpos e encha uma bacia com agua morna. Fez uma pequena pausa- Ah! E feche todas as cortinas da casa, Só quero a luz das velas acesas.

-devo chamar um medico senhor?

-não! De modo algum! Escolha mais três empregadas e mande as outras para casa.

-que critério devo usar para escolhê-las?

Jordao pensou por um instante. Olhou para a criatura dentro do travesseiro e virou-se para a empregada.

-escolha as três que- olhou novamente para a criatura- as três mulheres que já tenham tido filhos.

-sim senhor!

A moça saiu apressada da sala segurando as saias enquanto Jordao encarava o travesseiro intrigado.

-o que é isso? Murmurou.

Mais tarde naquele dia.

O clima mórbido e escuro do sinistro ocupava todos os cômodos da casa que agora afundava no silencio dos mortos.

Os passos de Jordao ecoavam pelo luxuoso banheiro, que parecia preparado para um ritual, com as cortinas fechadas e as velas acesas, Jordao pegou o travesseiro (ou o que sobrou dele) com muito cuidado e o colocou sobre uma mesinha.

-damas-começou a falar- espero que estejam preparadas para as próximas tarefas que irei impor, se alguma não se sentir a vontade, pode sair.

Esperou por um momento. Nenhuma saiu

-pois bem- continuou- então vejam!

Dizendo isso, Jordao abriu o travesseiro, espalhando plumas e horror pelo banheiro.

O que causara tamanho pânico era mais absurdo do que horrendo.

A sua frente dormia o que se parecia com um recém-nascido, tirando o fato de que ao invés de um cordão umbilical sair do “bebê” como de costume, este em especial, tinha seis longos e firmes cordões umbilicais saindo do mesmo umbigo. Mas tirando isso, essa frágil criatura era sem sombra de duvida, o bebe mais gracioso que alguém já havia visto, seu pequeno corpo era forte porem delicado, alguns poucos fios de cabelo se mostravam prata como as estrelas, e seus olhos, mesmo estando fechados, eram enormes, maiores do que o normal, mas assim como tudo até agora, seus olhos eram também graciosos.

As criadas de tão encantadas esqueceram-se da aberração umbilical do bebê.

Vendo-as alucinadas com esse pequeno anjo, Jordao resolveu interromper antes que elas começassem a idolatrar o bebê.

-estou certo de que todas vocês tem filhos?

-sim senhor-responderam após alguns instantes.

-ótimo, então sabem como cuidar de um recém-nascido, vou deixa-las a vontade, apenas peço para que não vistam o bebê e muito menos lhe cortem os cordões, certo?

-sim senhor.

Dizendo assim, Jordao retirou-se para o quarto de Alicia, lá ele revirou as gavetas, os armários, procurou em cima e em baixo do colchão, procurou na escrivaninha e no lixo, o que tanto Jordao procurava, nem ele sabia ao certo, talvez seja por isso que não tenha encontrado. Depois resolveu procurar por pistas para descobrir algo sobre aquela loucura, também não achou nada. Por fim se cansou, sentou-se ao pé da cama, passou a mão por de baixo da mesma a procura de algo escondido. Achou um papel, um papel amassado, dentro havia manchas letras escritas às pressas, Jordao tentou lê-las, esforçou-se ao máximo, mas acabou desistindo.

Cansado, Jordao fechou os olhos. Encostado na cama de Alicia, envolvido em seu cheiro deixado nos lençóis, Jordao começa a delirar com suas lembranças.

De repente esta na sala ao lado do quarto, já é tarde da noite e Alicia esta gritando seu nome, Jordao corre para vê-la, quando ela o vê da um grito.

-sou eu Alicia, sou eu.

Ela o encara, depois olha o tapete, e de volta para ele.

“eu me lembro desta noite” pensa Jordao “foi antes de Alicia morrer, ela estava vendo algo no tapete...”.

No momento em que se virou para o tapete, Jordao viu o que sua mulher vira noites atrás.

Uma cegonha! Uma grande cegonha branca e formosa que olhava Alicia graciosamente antes de sair voando pela janela.

Quando virou-se para Alicia ela já havia voltado a si. Agora sorria, tomou a mão de Jordao e pôs-se a acaricia-la. Ele olhava para sua mão quando se espantou ao ouvi-la dizer:

“amado Jordao...”

Olhou-a sem ar.

Sua boca não se mexia, mas em seu ouvido continuavam a entrar as palavras de Alicia.

“sempre quisemos um filho não é mesmo? Mas sempre fui muito fraca... incapaz de dar a luz... mesmo assim, todas as noites eu sonhava em ter uma criança. Em uma dessas noites, Morfeu me visitou. Disse que viu meu sofrimento e que me ajudaria! Então ele plantou uma semente em meu travesseiro, semente que eu venho regando com minha vida e meu sangue, e alimentando com o sonho de ter um filho, seu filho Jordao! E quando eu partir ele estará pronto, não se preocupe querido, vai dar tudo certo...”.

Sorriu mais uma vez e beijou a mão do marido antes que ele fosse arrastado de volta a realidade.

Abriu os olhos lentamente. Olhou o papel em sua mão, agora estava em branco, sem letras, sem sangue, sem lagrimas.

Levantou-se num pulo e correu até o banheiro.

La encontrou o bebê enrolado em um pano de seda no colo de uma das empregadas. Aproximou-se lenta e silenciosamente. Passou a mão por seus cordões que se esfarelaram em uma areia dourada que Jordao juntou e guardou dentro de uma pequena ampulheta.

Gentilmente pegou a criança em seu colo, que por sua vez, lentamente abriu seus grandes olhos verdes para ver o pai. “Morfeu” cochichou Jordao “meu filho chamara Morfeu”

Oito anos mais tarde.

-papai! Papai! Chamava a criança com a ampulheta no pescoço.

-sim Morfeu? Respondeu Jordao.

-minha professora falou que a cegonha traz os bebês. È verdade?

-bom... Falou acariciando a cabeça do filho- ouvi dizer que os bebês saem dos sonhos das mães... -Jordao sorri ao ser contemplado pelos olhos verdes de seu filho- e repousam em seus travesseiros.

Fim